"O menino berrou: "Posso sair da mesa?" A resposta veio da mãe, com um acenar de cabeça, com enfado. A criança, três, quatro anos, saltou da cadeira e começou a correr. O restaurante estava cheio, os empregados, numa roda-viva, traziam perigos pelos braços. Perigos para quem está de fora do alcance dos seus olhos. Da cozinha vinham sopas, tachos, xícaras. Quentes. As vozes dos adultos cruzavam conversas com pedidos. Na mesa ao lado, uma menina vive a excitação de ver alguém da sua idade à solta, a entrar e a sair de portas, algumas com letreiros visíveis de proibição a estranhos. O menino continua a correr. Os empregados pedem piedade com o olhar para a mãe sentada, que mantém o ar de enfado. Ela murmura o nome do filho e diz: "Pára quieto". A menina da mesa ao lado também fica à solta. Duas crianças no meio dos mesmos perigos. Nas duas mesas, os adultos continuam, calmamente, a refeição. Um dos donos aconselha a tirar as crianças do circuito de trabalho. Os pais entreolham-se e pedem a conta. Ouvem-se gritos da menina. Pede-se gelo para os dedos que entalou na porta da casa de banho. As duas mesas inteiras põem-se de pé. O menino sossega. Tem ar de culpa. Leva um raspanete com voz grossa do pai. Volta a correr. A mãe chama-o com tédio. E desabafa: "Estou cansada disto". Sai em silêncio. Só o menino grita adeus à menina que continua a correr apesar dos dedos magoados."
Fonte: http://www.jn.pt/opiniao/margarida-fonseca/interior/soltos-8728967.html
Por Margarida Fonseca
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