segunda-feira, dezembro 31, 2007

Se o Menino Jesus tivesse nascido hoje (e em Portugal)

O que sente um bebé mesmo acabadinho de nascer?
Sente uma mistura imensa de estímulos, de sentimentos (medo, expectativa, perplexidade, fragilidade), sente a "asfixia do ar" (de quem passou nove meses em meio hídrico, de densidade grande, e de repente passa para um meio aéreo), sente a necessidade da presença dos pais, seus autores e progenitores, sente fome (e portanto vontade de mamar no peito da mãe), sente a necessidade de ser aquecido, mas nos braços da mãe e não debaixo de uma "chocadeira de pintos". Sente-se humano, a um tempo vencedor e frágil.

O Menino Jesus teve um parto mais "ecológico" do que as crianças que nascem no século XXI: sem holofotes, luzes fortes, tubos... Devemos fazer uso das novas tecnologias, mas criar ambientes mais humanizados?
Os nascimentos precisam de um parto. E o parto tem que prever todas as alternativas, mesmo as piores. Daí a necessidade de um meio hospitalar, com a respectiva tecnologia. Mas atenção: apenas para ser usada quando necessário, e não por "default". Aquela história, por exemplo, de "roubarem" os bebés dos pais para os "irem aquecer" é uma arrogância intolerável.

S. José assistiu ao parto! Hoje os pais já podem assistir, ou continuam a ser "empurrados" para fora da sala da maternidade?
Em muitos hospitais privados há mesmo uma política de "pai não entra" quando de uma cesariana com epidural. Se pensarmos que estas são mais de dois terços dos partos nesses meios... Ora o nascimento é o culminar de um projecto que é do pai e da mãe. Logo, estar presente no parto (não é "assistir"...) é um direito. Os profissionais não podem expulsar os pais. É imoral!

Jesus sobreviveu, mas no seu tempo, e até à muito pouco, e estamos a falar nos países ocidentais, a taxa de mortalidade infantil era elevadíssima. Qual é a esperança dos meninos Jesus que nascem hoje, em Portugal (ou em Badajoz)?
Desde 1989 que Portugal tem uma rede invejável de cuidados ao período perinatal, que inclui o parto. Somos campeões, nesse domínio, tendo partido de uma situação aflitiva. Quando o poder político é inteligente, o grupo de técnicos é bom e eficiente, e as coisas se fazem com cabeça, tronco e membros, e com os orçamentos necessários, ganha-se, e ganha-se muito. Cito Albino Aroso, Leonor Beleza, Torrado da Silva, Octávio Cunha, Maria de Belém e tantos outros. A eles se deve.

O Menino foi visitado por anjos, pastores, ovelhas, burros e vacas... Estamos a rodear os bebés de assepsia a mais? Há agora muitos pediatras a recomendar que não se leve o bebé à rua durante o primeiro mês...
Há um tempo de presépio e um de apresentação no Templo. As visitas sociais são um fenómeno recente, urbano e a evitar. Quanto aos passeios, devem ser logo que os pais queiram. Os bebés têm memórias antropológicas do meio exterior natural. Sentem-se bem é fora. E o frio não é impedimento. Em Portugal somos ainda muito tímidos nessas coisas. E alguns profissionais dizem coisas verdadeiramente tontas, como essa de não poder passear no primeiro mês - claro que se for num centro comercial é outra coisa, mas também não é passeio...

Já li textos seus em que diz que as "visitas" devem ser postas a milhas nos primeiros tempos...
Corridas com um rotweiller atrás. O momento é de intimidade, comunhão, contemplação, solidão até, compreensão do fenómeno, sonho e paixão. Não se consegue este registo com uma alcateia à volta. Visitas: xô!

Um bebé ouve, cheira e vê? Vê a que distância?
Vem equipado com todos os sentidos, embora veja a preto e branco até cerca dos 4 meses de idade. A questão de ver está ligada à necessidade de analisar pormenorizadamente o que não conhece - e cansa-se. É a imagem em espelho que permite compreender. Se olha para uma árvore ou uma nuvem, ela é imediatamente entendida porque está na memória genética do bebé. Um computador ou um livro já é mais difícil...

Porque é que nos quiseram convencer, por exemplo, que não reconhece a mãe durante muito tempo?
Não é verdade, e as razões por que isso era dito passavam, quanto a mim, pela ignorância, pela mania de que os médicos sabiam tudo (e quando não sabiam, inventavam), pela arrogância e pela vontade de diminuir o interlocutor, e pelo desejo de pretender que só os cérebros iluminados dos senhores doutores compreendiam o bebé e vice-versa. Os bebés reconhecem a mãe, o pai e os irmãos desde antes do nascimento. Que isso fique claro!

Para as crianças o Natal é o "grande dia", o segundo, logo a seguir à sua festa de anos - como gerir as expectativas de um filho com menos de dez anos
Se a avalancha de brinquedos e o novo-riquismo exibicionista são grandes, então perde-se o significado simbólico do que é o Natal: oferecer, partilhar, estar. Um presente significa: neste momento, pensei em ti, tentei agradar-te, gastei tempo e dinheiro para que, quando utilizares esse objecto, te lembres de mim e da nossa amizade. No fundo é dizer: «gosto de ti. Sabia que sabias, mas quero dizer-te, através desse símbolo.» É por isso que cada presente deve ser aberto à frente de quem o ofereceu, vendo a reacção e com tempo.

Os reis magos trouxeram mirra, incenso e ouro, os pastores quanto muito um queijinho. Os pais têm medo de perder o amor dos filhos, se não lhes puderem dar tudo o que passa nos anúncios da televisão?
Sentem-se pressionados e têm medo que os filhos gostem menos deles, se o presente for inferior ao do tio ou ao dos avós. A pressão externa, que passa pela publicidade, é mais um factor. Mas a questão é se queremos ser nós a nortear a nossa família (mãe, pai e filhos) ou se queremos que sejam outros, diminuindo o nosso papel. Se queremos ser o Norte, então temos que agir como tal.

Aquela frase: «há meninos que não têm o que tu tens», com que tentamos calar-lhes as birras, bem com o hábito de recolher os seus brinquedos antigos para os dar aos "meninos que não têm Natal" são formas genuínas de ensinar a solidariedade ou pensos rápidos, sem qualquer efeito?
Mais do que atirar para cima de uma criança uma culpa que pertence aos adultos e à forma por vezes iníqua com que organizam a sociedade e distribuem os bens, ou como valorizam os bens materiais e diminuem os sociais e espirituais, deve é dizer-se que desperdício é errado e que o excesso atrapalha e não faz ninguém feliz. Mais do que dar, é partilhar. Por razões sociais fortes, e não por um espírito paternalista, é preciso pensar nos "meninos que não têm". Mas ressalvando sempre que "não têm" coisas, mas têm dignidade.

Há pais com medo de falar no Pai Natal, por acreditarem que o filho um dia lhes vai chamar mentirosos. Mas sempre soubemos distinguir a magia da realidade - as crianças de hoje, com playstations e jogos de computador - ainda mais? E além do mais quem é que garante que o Pai Natal não existe.
Matem os sonhos, as fantasias, o Pai Natal, a fada dos dentes e tudo o mais, em prol do politicamente correcto ou da necessidade de entrar no "mundo dos adultos" e estarão a fabricar verdadeiros monstros. Uma criança sabe que o Pai Natal que aparece lá no dia 24 tem as meias do avô ou os sapatos do tio, os quais por acaso até se ausentaram naquele momento. E depois? O faz-de-conta é uma das vertentes mais importantes do jogo simbólico e da actividade lúdica! Bom Natal, com sonhos, esperança e amor. Muito, e sem inibições de expressão!

Por: Pediatra Mário Cordeiro
Retirado daqui -
http://www.destak.pt/artigos.php?art=6711

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