Já tinha tentado de tudo para entrar em trabalho de parto (TP) espontaneamente, só falhei mesmo no esperar que acontecesse naturalmente. Sentia-me preparada para tudo, queria sentir as contracções, o meu corpo a abrir para a passagem do meu filho, até esperava que fosse demorado... Seja como for descobri-me mais forte do que pensava ser, só por ser mulher.
Quando cheguei às 41 semanas cheguei ao que a medicina moderna interpreta como limite, a partir daí o caminho é a indução, tem de se tirar com a maior urgência possível o bebé do ventre assassino da sua mãe.
30/04/2008
02:00
Quando acordasse teria de ir para o hospital, iniciar o percurso para o qual me tinha preparado durante 41 semanas e 3 dias, mas não era suposto inicia-lo desta maneira. Aguardava desde a 38ª semana que o TP se iniciasse espontaneamente, as contracções de Braxton Hicks que já me faziam companhia desde a 20ª semana estavam mais fortes, mas era mesmo só isso. Fiz tratamento homeopático e duas sessões de acupunctura na esperança que alguma coisa acontecesse, bebia chá de canela durante o dia todo… nada. Foi impossível dormir, a desilusão de mais uma vez o meu corpo, que durante 4 anos se tinha recusado a dar-me o tão desejado filho, continuava sem funcionar. Obviamente que a culpa só podia ser minha. Chorei até adormecer de cansaço. A troca de mensagens com a minha Doula era o meu único alento, acalmava-me enquanto os meus pensamentos não tomassem novamente o controlo.
08:30
Já devia ter dado entrada, em vez disso passeava nos jardins do hospital, as mensagens com a Doula Luísa e Barbara continuavam, apesar da vontade de dar meia volta e voltar para casa ser grande havia um outro lado que ainda creditava que tudo podia correr bem, corria “bem” com tantas mulheres, o que poderia acontecer de errado?
Não tenho certeza da hora a que dei entrada, vesti a camisa de noite que tinha comprado para o TP, bem larga para me facilitar o movimento. A minha médica estava de serviço e depois de observada, por ter colo posterior o toque era sempre bem doloroso porque era difícil chegar-lhe, colocaram-me o medicamento que iria iniciar o TP (prostaglandinas). Andei quilómetros no corredor do piso 5, de headphones da cabeça a ouvir musica curativa para Reiki, as pessoas olharam para mim de forma estranha durante algum tempo, mas depois habituaram-se a ver-me passear por ali.
11:00
As contracções vieram, inicialmente descontroladas, mas não demorou muito a estabilizarem, vinham de 3 em 3 minutos. Eram dolorosas mas perfeitamente suportáveis, mas o bebé não estava a conseguir recuperar entre contracções, eram umas 6 da tarde quando a médica resolve retirar o medicamento, se o TP parasse teria de se usar oxitocina. Não parou e o jantar também não se segurou no meu estômago durante muito tempo. Quando me chamam à sala de observação já sabia o que me esperava, mais um toque… a sorte que eu tinha, mais uma de dedos curtos. Depois de muito escarafunchar e eu de me escapar pela cama a cima perguntei se já tinha conseguido saber se tinha dilatado alguma coisa, a resposta foi muito simpática “Não, continua sem dilatação, estou só a fazer-lhe um favor, senão só nasce amanha”… “Não se preocupe que eu não tenho pressa, não tenho ninguém à espera.”, de ar carrancudo lá tirou a mão e deixou-me voltar aos meus passeios. Sem dilatação e bebé alto.
01/05/2008
Já passava da meia-noite quando chega a Enf.ª E., uma mulher que veio de propósito conhecer-me… em abençoada hora. Depois de alguns minutos de conversa deixou-me fazer o CTG sentada (que foi sempre intermitente de 2 em 2 horas, durante 20 minutos). Sempre que se cruzava comigo no corredor e me via com uma contracção massajava-me o quadril o que era de algum alívio.
03:00
A Enf.ª E. sugere que, apesar de não ter dilatação, que fosse para o piso 4 para o quarto onde faria o TP e parto, que fosse tomar um banho e que tivesse tudo pronto para descer dentro de meia hora. Quando uma auxiliar entra pela enfermaria dentro com uma cadeira de rodas lembrei-me de algumas histórias engraçadas e ri-me sozinha, uma mulher levantou-se e sentou-se na cadeira, a Enf.ª E. que chegou entretanto chamou-me a mim também para descermos, a auxiliar vira-se para ir buscar outra cadeira de rodas, a Enf.ª vira-se e diz “Não é preciso, esta senhora vai a pé”, e fui… ainda paramos umas duas vezes pelo caminho mas fez-se bem.
Cheguei ao quarto, instalei-me, mala no armário e água a correr na banheira. Liguei à minha Doula a avisar que já tinha descido, as contracções continuavam mas sem ritmo, mesmo assim prontificou-se a vir imediatamente. A Doula ligou ao meu marido que também veio.
Ficamos os 3 no quarto, entre os curtos passeios possíveis dentro do quarto, banho de imersão e por vezes acocorada junto à cama assim passei a noite. As massagens da Doula eram agradáveis, mas só entre contracções, quando vinha uma só tolerava mesmo que me dessem a mão, não suportava mais nenhum tipo de contacto. Mas a companhia deles era fabulosa, saber que aquelas duas pessoas estava ali por mim, que me acarinhavam e mimavam, nada nunca vai servir de agradecimento por tudo o que me fizeram.
08:00
Muda o turno, novas regras. Só pode ficar uma pessoa comigo. Depois de conversarmos os três ficou a Doula. A minha médica vem despedir-se e desejar-me felicidades, o mesmo faz a Enf.ª E.. A médica que entra de serviço é muito antipática faz-me o toque (&%%#”%, sim são muitas asneiras) e tudo continua na mesma, a enfermeira que entrou de serviço ainda fica um pouco a conversar a explicar alguns procedimentos. O meu TP parou. Em duas horas devo ter tido 2 ou 3 contracções. Tenho de tomar uma decisão de depressa, ou deixo que o hospital use outros processos de indução ou vou embora para casa. A enfermeira sugere que eu volte à banheira, se o TP tiver mesmo parado passo a ter a certeza. Não parou mas as contracções que voltaram eram diferentes, longas e com mais de um pico de dor, comecei a pensar que afinal não era tão fácil como parecia.
12:00
A Doula troca com o meu marido. Apesar dos abraços, mimos e da conversa possível entre contracções ele estava em pânico, as contracções chegavam a durar 4 minutos, a dor era insuportável. Eu sabia que perto do expulsivo as contracções duram cerca de 1 minutos com muito pouco de tempo entre elas… eu não estava a ter nada parecido do que já tinha lido sobre TP. Fiquei horas debruçada sobre a cama de braços estendidos de mãos dadas com ele. Doía fosse em que posição fosse, parecia que o meu corpo se ia separar em vários pedaços, as lágrimas começavam a vir-me aos olhos ainda a contracção só tinha começado… já sabia o quanto ia demorar e o quanto ia doer.
16:00
A médica volta, novo toque, tudo na mesma à excepção do bebé que já tinha descido, sugere que se inicie outra abordagem, desta forma não estava a ir a lado nenhum. Rendi-me às práticas hospitalares, já não aguentava mais. Anulei o meu Plano de Parto. Chorei por saber o que iria acontecer a seguir, cada acção teria uma reacção. Durante todo o dia tinha ouvido vários bebés nascerem, ouvia-se bem aquele choro pequenino, agarrava-me à ideia que brevemente seria o choro do meu filho que iria ouvir… mas estava a demorar tanto. A alegria de sentir o meu filho mover-se dentro de mim estava perto do fim, infelizmente não era porque ele ia nascer…
18:00
Depois de terem transformado o quarto num bloco operatório, ou parecido com isso, tudo começou. Assinei o consentimento informado durante uma contracção, não queriam esperar, acho que não escrevi nada legível… Esperaram depois, todos a postos como se de uma corrida se tratasse, mas não me deram epidural sem esperar que a última contracção viesse. Ainda ouvi “Toda a gente aguenta a contracção enquanto lhe damos a epidural, só a menina é que acha que não”, pois não, por isso só a dão quando eu disser. Epidural, oxitocina, soro glicosado, CTG contínuo e leitor de pressão arterial. Sentia-me tão impotente… sugeri ao meu marido que aproveitasse para dormir, precisava dele descansado para enfrentar mais uma noite. O soro glicosado estava a repor-me as forças, já não comia nada à mais de 24 horas, tudo o que tinha tentado comer acabava por vomitar, dormir era impossível, a minha cabeça pensava 500 coisas ao mesmo tempo, uma confusão de expectativas e desilusões. Estava ali deitada a olhar para o teto, inútil, incapaz… na altura da minha vida em que devia estar mais participativa, já que era o meu corpo e a vida do meu filho que estava em causa, eu era uma vergonha de mulher.
20:00
Novo toque, 4 dedos francos. Rebentam-me as águas para ver se ajudava, limpas. Lentamente estava alguma coisa a acontecer, até podia ser da maneira errada, mas a coisa mexeu-se. Continuei ali, imóvel.
02/05/2008
00:00
Novo toque, estava na mesma. Via-se alguma braquicardia no CTG, o bebé estava com dificuldades em recuperar das contracções descontroladas que a oxitocina provocara. O pesadelo começa, a frase da noite da médica: “Se continuar assim tenho de lhe fazer cesariana, não é seguro nem para si nem para o bebé”… como se eu pudesse voltar atrás, se pudesse não estava ali de certeza, nem no hospital tinha entrado, começava a aperceber-me da enorme burrada que tinha feito ao aceitar a indução.
Numa das rondas das enfermeiras notam que estou com febre, quase 40ºC. Penicilina.
02:00
A febre baixa, dilatação na mesma e o pobre coração do meu filho já chegava aos 185bpm durante as contracções, que eu nem sentia. A médica já não sugere nada, diz que tenho de fazer cesariana. Dão-me alguns minutos para falar com o meu marido, as lágrimas já me corriam cara abaixo ainda não tinham saído do quarto. Doía-me o peito de tanta desilusão, durante 4 anos o meu corpo tinha-me negado a alegria de conceber um filho, agora negava-me poder pari-lo, simplesmente nada em mim funcionava como devia ser. O meu marido tentava acalmar-me, abraçou-me e assim ficamos até que eles voltaram, mais um termo de responsabilidade assinado. Peço que entreguem o bebé ao pai após o nascimento e enquanto eu estiver no bloco, faço questão de saber que toda a gente ouviu o meu pedido e que o entenderam. Peço ao meu marido que não saia do lado do filho por um segundo que seja, que fale com ele, que lhe cante, que lhe diga o quanto a mãe gosta dele e que logo vão estar juntos.
Devido ao local onde o bloco operatório está o pai tem de escolher, ou fica para a operação ou espera noutro local pelo bebé, as duas coisas não são possíveis. A escolha era óbvia, ficaria à espera do bebé. Apesar da música ambiente o bloco operatório não tinha nada de confortável, a marquesa parecia-me estreita demais para mim, tremia imenso, ataram-me… Preferia que não me tivesse visto assim, mas o meu marido ainda veio despedir-se de mim, deu-me um beijo na testa e saiu…
Digo que estou mal disposta e que vou vomitar, aparentemente ninguém me liga, faço o aviso mais duas vezes, virei a cabeça de lado e acabei por vomitar para o chão. Pelos vistos tive também uma quebra de tensão, oxigénio e uma série de gente a reclamar e a esbracejar à minha volta.
Ao som de “Let it be” dos Beatles nasce o Pedro às 02:56, com 3.650Kg e 50cm.
Não o ouvi chorar, perguntei se estava tudo bem com ele, respondem-me que já o tinham levado para ser limpo e entregue ao pai de seguida, tal como tinha pedido. Perguntei por várias vezes se estava tudo bem com ele, as respostas eram evasivas. Depois de muito insistir lá me disseram que já o tinham entregue ao pai que estava tudo bem. Soube depois que tinha nascido coberto de mecónio, o medo de que ele o inspirasse era tanto que nem estimularam o inicio da respiração ali. Comecei com outro tipo de reclamação (nem sei como já não estavam fartos de me ouvir), não estava certo eu carregar um filho tanto tempo dentro de mim e o pai vê-o primeiro.
Não sei que horas eram quando, depois de muita insistência minha, lá mo deixaram ver por alguns segundos. Pensava que quando o visse o ia reconhecer de imediato, que a paixão me ia inebriar… era um bebé lindo, de olhos grandes e negros fixos em mim, mas um estranho. Encostaram-mo à cara, escorreguei o meu nariz até ao pescoço dele e cheirei-o profundamente, era meu sim. Beijei-o e levaram-no de novo.
Depois de me cozerem e limparem vou para o recobro. Chega o meu marido com um embrulhinho no colo, o mesmo cheiro adorável, não quis mamar. A enfermeira avisa que era de esperar, por eu ter levado soro glicosado ele tinha acusado nas analises açúcar no sangue, e que por isso, não devia ter fome nenhuma, talvez dali a umas horas. Assim foi, já de manha mostrou o que é ter realmente fome.
As peripécias do pós-operatório são outra história, é “outro parto” a parir mais tarde.
Não tenho como agradecer a todas as pessoas que me apoiaram, a dedicação incondicional que me tiveram… vão estar sempre no meu coração.
Mas, tenho de deixar, um miminho especial à minha Doula Barbara, foste mãe, amiga, irmã, foste tudo aquilo que esperava que fosses e muito mais, por mim abandonaste a tua família de madrugada e estiveste do meu lado no momento mais importante da minha vida, obrigada por tudo minha linda.
Daqui a 2 ou 3 anos espero repetir a façanha, em que o meio que leva ao fim será bem diferente, sem dúvida domiciliar… ou com o céu com testemunha, num hospital eu só entro amarrada!